Enobrecer para gentrificar?
Praça da convivência, espaço gastronômico diversificado, Crédito: Eduardo Mendonça
A parte central de algumas cidades na atualidade tem sido destaque nas transformações, ou seja, uma série de modificações que envolvem o enobrecimento, através da valorização cultural e da valorização econômica que podem ser visualizadas em vários locais. O cenário de revitalização das cidades tem sido uma constante. Tal processo permite avaliar os índices de viabilidade que este produz, pois as metamorfoses espaciais nem sempre vem acompanhadas com o desenvolvimento e as cidades. Neste percurso, passam por muitas intempéries sociais.
Parafraseando Peter Hall, ”a diferença, portanto, reside na concentração, em virtude da qual alguns milhares de ricos e alguns milhões de indivíduos da classe média foram levados a um estreito contato com milhões de pobres e indigentes. Nesse sentido, a industrialização e a urbanização, como soem dizer os marxistas, criaram uma nova série de relações sociais e uma nova série de percepções sociais”. Tem-se em vista que a crescente urbanização concentra, no espaço construído, uma conjunção de forças produtivas aliadas às forças do trabalho, a qual transforma as propulsões dispersas e sistemas descentralizados de direitos frente ao poder político e econômico.
A partir dessa premissa, temos a máxima de que a revitalização/enobrecimento dos espaços urbanos pode ou não ser resultado da construção de um espaço público, visto que a constituição dialógica como local de interação política exterioriza os conflitos e as discordâncias de um modo geral, em sua maior parte, segregando pessoas e espaços de convivência.
Nesse sentido, o processo de gentrificação tem significado, de maneira útil, uma mudança nos estilos de vida da população, em virtude do enobrecimento estratégico dos espaços, já que o fator econômico como foco não é único. A revalorização do espaço público trás à tona um novo conceito de público, em relação ao privado, afastando-se da perspectiva jurídica em função do uso e da ocupação desses espaços, dos cenários e dos atores do processo que cada local permeia. À medida que os novos espaços são transformados, o acesso ao mesmo tende a acontecer de forma segregada, visto que alguns locais como praças, shoppings, condomínios verticais e horizontais são palco de grandes eventos profissionais e familiares para uma dada classe social.
Com isso, os novos vetores de crescimento provocaram no espaço urbano uma mudança no padrão de vida, frente à melhoria e a consolidação de alguns bairros já existentes, através da renovação e até mesmo regeneração, principalmente os populares de um modo geral, promovendo e estabelecendo um novo acesso aos equipamentos comerciais.
Contudo, o processo de gentrificação, nesse contexto, é utilizado para designar as intervenções que envolvem enobrecimento no âmbito urbano, haja vista a eleição de determinados espaços da cidade, os quais são considerados centralidades para investimentos públicos e privados, através da transformação de uma localidade histórica, por exemplo, como um segmento de mercado devido às dinâmicas sócio espaciais ali desenvolvidas.
Tais modificações no espaço urbano necessitam de um nível máximo de sensibilidade no entendimento do melhor local para o investimento nas transformações, pois a mudança nos estilos de vida, através do enobrecimento de algumas áreas e até mesmo do deslocamento de outras, é responsável pela geração de renda e desenvolvimento, nessa perspectiva. A atuação dos atores detentores do capital e os seus interesses estão além da questão urbana.
A gentrificação, ou enobrecimento de áreas, aqui está sendo enunciada para designar as intenções urbanas como empreendimentos que elegem certos espaços da cidade, considerados centralidades e transformados em áreas de investimentos públicos e privados, cujas mudanças situam-se numa perspectiva de transformação social do espaço à luz de um perfil ideológico e econômico.
Daí as políticas de gentrificação serem consideradas sucessoras pós-modernas da experiência francesa Bonapartista do final do século XIX. A reforma realizada por Barão Haussmann em Paris, com seus quartéis bem demarcados e longas avenidas, constitui-se um importante modelo para demarcar este fato, mostrando as intervenções urbanas à luz de interesses diretamente ligados ao fortalecimento do grande capital.
A tônica para a melhoria deste cenário está centrada numa gestão urbana dirigida para suprir a produção da economia urbana em oposição aos mais diferentes problemas sociais. Dessa forma, a cosmopolitização das cidades constitui-se no fator central para explicar o discurso ideológico da rapidez das transformações urbanas e da diversidade de classes no processo de dinamização para o capital, especificamente imobiliário.
Diante do exposto, entende-se que os processos de valorização provocados pela abertura de novas ruas, construção de praças, de edifícios e de uma conseqüente renovação tem consolidado pouco a pouco uma evolução urbana capaz de denominar novos usos e novos sentidos a espaços que foram alvo de gentrificação no sentido da revitalização.
Os novos espaços públicos promovem uma renovação e uma revitalização dos usos, além de promover outros níveis de sociabilidade e de desenvolvimento econômico frente às recentes dinâmicas que relacionam novas vias de consumo e de construção social do espaço.
É relevante destacar que a viabilização da implementação de um processo de revitalização urbana requer o estabelecimento de alguns elementos estruturadores, entre os quais vale citar: economia local, o espaço público, além da manutenção e a valorização do patrimônio ambiental e cultural. Estratégias recentes procuram atrair atividades econômicas em antigas áreas industriais, em terrenos vagos ou até mesmo em locais decadentes dos centros urbanos, que podem dar lugar a empreendimentos imobiliários de uso misto além de reverter um processo de decadência econômica, num enfoque de reformulação capaz de compor melhorias sociais, econômicas, políticas e ambientais.
Memorial da história da Resistência ao grupo de Lampião em Mossoró. Crédito: Eduardo Mendonça
Teatro Municipal Dix Huit Rosado na Avenida Rio Branco. Crédito: Eduardo Mendonça